Condenação ao revés do Órgão Acusador é um "Frankenstein" Jurídico
- edupracz
- 16 de mar. de 2023
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Recentemente, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do Ministro Rogério Schietti (REsp n. 2.022.143 - PA), julgou pela possibilidade dos magistrados proferirem condenações criminais, ainda que o órgão acusatório tenha pleiteado a absolvição do acusado no final do processo. O entendimento diverge da outra turma criminal do STJ, que através do voto vencedor do Ministro João Otávio de Noronha, excepcionou a possibilidade desse tipo de condenação para situações teratológicas e desde que robustamente fundamentadas (AREsp n. 1940726/RO).
O recente entendimento atropela o sistema acusatório de persecução penal, aquele onde juiz se mantém equidistante das partes e fique adstrito tão somente aos pedidos que lhe estão sendo feitos. A preconização de que o processo penal brasileiro segue esse sistema, foi estampada explicitamente na nova reforma do Código de Processo Penal no art.3-A.
Malgrado a previsão expressa, o precedente também contraria toda a lógica constitucional e os regramentos do Código Processual, levantando uma verdadeira anomalia jurídica.
Em primeiro ponto, pelo fato do Ministério Público ser o titular constitucional da ação penal. A titularidade em questão não é atinente tão somente ao momento da propositura da denúncia, mas a todos os atos do procedimento persecutório. É o ente ministerial que propõe as provas que devem ser produzidas, que participa ativamente da produção probatória e ao final, caso entenda estar provada a sua tese, efetive o pedido de condenação. Do contrário, caso vislumbre que o conjunto de provas é frágil, o representante do MP no gozo de sua atribuição, tem o dever de pedir a absolvição do réu. Se o magistrado contrapõe este entendimento, estará, nitidamente, agindo de ofício (por si só).
A atuação do judiciário de ofício, no processo penal, foi amplamente restringida pela nova reforma. O magistrado não pode, ao exemplo, determinar uma busca e apreensão, uma interceptação telefônica ou uma prisão cautelar sem a devida provocação. Se não pode o “menos”, não deveria poder “o mais”.
De outro ponto, se o membro do parquet ostenta o direito de requisitar o arquivamento de uma investigação, por entender que não há indícios suficientes de sequer começar um processo criminal, não há racionalidade que explique o motivo para que o Judiciário possa contrariá-lo ao fim do processo, em uma fase que exige um material probatório muito mais robusto do que o exigido para iniciar uma ação.
Mudando de ótica, o argumento de que o Judiciário deve se incumbir de filtrar diretamente a ação do Ministério Público é infeliz. O ideal é que o magistrado que discorde do pedido absolutório, encaminhe o feito para órgãos de revisão do próprio ente, assim como feito no caso das discordâncias de arquivamento de inquéritos.
Muito embora, tenha sido aventado que uma fiscalização feita pelo próprio órgão tenha caráter corporativista, não se pode olvidar que o fenômeno do corporativismo é natural de todas as classes, inclusive da própria magistratura, portanto, tal argumento não é minimamente suficiente, para chancelar o Frankenstein jurídico apontado.
Eduardo Correia Pracz
16 de março de 2023
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